14 de setembro de 2004

Caro Zeca,

Eu acho que consigo respeitar a regra número um. Ou seja, não me apaixono pelas amantes. Bem sei que às vezes é difícil e devo admitir que às vezes ando um bocado desorientado, mas apaixonar não.
Na realidade não estou apaixonado por absolutamente ninguém. Nem sequer pelo meu carro, de que gosto muito mas sem mais. A minha inquilina é uma gaja porreira que não chateia. É boa na cama e alinha em tudo o que eu quero, incluindo coisas menos católicas que um dia destes pode ser que te conte. Mas não estou apaixonado. tenho muita ternura por ela e gosto de "tomar conta" dela mas é só.
Eu tenho este defeito de me armar em Pigmalião. Dar banho às meninas, ensinar-lhes coisas, pô-las a falar francês e, de preferência, arranjar-lhes um trabalho estável. É por isso que a minha amante francesa é uma novidade: é estudante e os pais pagam-lhe tudo. Isso para mim é inédito.
As últimas relações que tive andei com elas a cargo e a suportar os encargos.
É por isso que esta lituana de que te falei me excita. Porque ela tem um trabalho bom e estável e até insiste para pagar o almoço a meias (coisa nunca vista!).
Bem, agora vou-te deixar que tenho de ir comer à cantina para ver se a cruzo por lá. Ela hoje estava com umas calças justinhas de bombazina fininha que lhe ficavam tão bem...!
Ruca

Caro Ruca,

Eu nunca fui capaz de separar sexo dos sentimentos. Apaixonei-me sempre (bem, quase sempre) pelas gajas que quiseram ir prá cama comigo. E esta é muito especial. Nunca conheci ninguém como ela, tanto no negativo, como no positivo, e é por isso que estou tão preso. No entanto, a questão do divórcio não tem a ver directamente com esta rapariga. É algo que eu já equaciono há algum tempo, mesmo quando aínda não tinha ninguém. A verdade é que a minha relação com a Beatriz está esgotada e eu acho que nunca mais seremos capazes de a recuperar. Em linguagem correcta, já não nos amamos. O nosso casamento passou a ser uma sociedade de interesses, com duas filhas que ambos amamos e com um sexo muito fraquinho e muito raro. Assusta-me pensar que é isto que eu terei para o resto da vida, principalmente agora que acho que vou ficar sem a Clara.
Mas ouve lá, tu és pior do que eu, porque eu caso-me, mesmo que seja com as amantes, e passo a ser fiel, e tu estás sempre a trocar. És lixado, pá! Então tu não tiveste já problemas de progressão na carreira por andares a comer gajas no serviço? E continuas?
Se fosse eu também continuava, deixa lá!
Zeca

Caro Zeca,

Foda-se! Isto é sério caro amigo! A palavra divórcio aflorar a ponta dos teus dedos choca-me. Eu pensava que tu mantinhas estas relações extra-conjugais à distância da família e dos sentimentos...
Pensa bem e perdoa à rapariga andar a deixar-te em branco: pode ser só uma forma de te mostrar que sentes a falta dela. Como diz um amigo meu, elas são todas umas putas.
Eu ando com uma miúda de 21 anos que estuda a 800 kms daqui e que eu evito com desculpas esfarrapadas. Invento que vou em trabalho para Bruxelas e Londres e que não posso vê-la. O resultado é irmos para a cama de quinze em quinze dias (sempre com resultados fabulosos). Mas a coisa também esfriou nos últimos tempos e ela passou a semana passada a dar-me tampas e a inventar desculpas para não nos vermos. Partiu para a universidade para fazer exames de Setembro até sexta. Se nesse dia não der o corpo ao manifesto também vou ficar muito fodido. Mas não acabo. Se ela quiser que acabe ela.
Mas isto está pior que isto.
Conheci num cabaré uma francesa fabulosa que convidei para jantar. Ela disse que sim e acabamos no hotel. Mas eu não consegui. Desespero, consternação e quase pranto! Pior: a garina regressava à Normândia no dia seguinte e não lhe pus mais a vista em cima. Mas não me cansei de lhe mandar SMS's.
Mas isto continua.
Há aqui no serviço uma lituana fabulosa que vai trabalhar no meu sector e que eu tenho uma vontade tremenda de provar. Já a convidei para uma entrevista de preparação e um almocinho. Amanhã tenho mais uma reunião com ela e daqui até ao fim do mês vou-me amandar pra cima dela. Sem emenda!
Com a minha inquilina está tudo bem, excepto que no meio disto tudo de vez em quando esqueço-me de a comer. E ela pergunta de quando em vez se eu tenho uma amante. Eu rio e claro que digo que não.
Beijinhos do Ruca.

Caro Ruca,

Sou padrinho do filho do Abel. Como padrinho sinto-me igual a mim próprio. O pai da criança disse-me logo que não era preciso dar prendas na Páscoa, o que me descansou bastante.
O trabalho está todo fodido! A crise ferrou os dentes e não quer largar! Não há ponta por onde se lhe pegue e não há luz ao fundo do túnel. Veremos. A verdade é que ando muito stressado por causa disso e preocupado com o futuro.
Ando também muito em baixo. A minha amiga anda a fugir-me desde as férias. Não me corresponde e está a ofender-me com o seu desprezo e a deixar-me à beira de um ataque de nervos até porque já lhe perguntei e ela diz que não quer acabar e que aínda sente tudo o que sentia por mim. A verdade é que eu gosto da rapariga e não quero perdê-la. Além disso, o sexo com ela tornou-se uma droga para mim e aínda menos quer perder isso. Esta semana combinamos ir prá cama mas já estou a desconfiar que ela vai falhar. Se assim for, acho que vou pôr um ponto final em tudo porque me vou sentir demasiado ofendido para aceitar. Veremos.
Tenho pensado em divorciar-me da Beatriz mas não concebo a ideia de não viver com as minhas filhas todos os dias e, apesar de ela não me ligar a ponta de um corno, a verdade é que também não me chateia e assim não me dá nenhuma razão para eu querer saír de casa. Tou fodido! (É claro que tirando tu e o marido da Xica que morou conosco em Braga (lembras-te?) ninguém sabe disto e é por isso que ainda me convidam pra padrinho.
Abraço.
Zeca

13 de junho de 2004

Terra pátria

Ontem sofri, ainda que menos que o costume, com a derrota de Portugal frente à Grécia. De manhã tinha colocado na varanda uma bandeira de Portugal que orgulhosamente flutua ao ar fresco destes dias. A chuva enrolou-a várias vezes no seu mastro durante o dia como que a agoirar um mau resultado.
Assim foi. Perdemos e eu só não fiquei deprimido porque estava mais preocupado com grelhar as carnes do churrasco e com encher os copos de cerveja dos amigos que tinha em casa.
Depois do jogo de Portugal assistimos ao Rússia-Espanha. E eis senão quando a Irina se levanta ao escutar o hino russo. A Irina é Bielorrussa. Mudaste de nacionalidade, perguntei com uma ponta de maldade para tentar encavacá-la. Gosto tanto deste hino, disse ela. A resposta não me satisfez e fiquei com pena da Irina. Como é que alguém pode ter dúvidas quanto à sua pertença nacional? Como pode alguém levantar-se para homenagear o hino do vizinho?
A Irina não tem nacionalidade, tem um passaporte que diz que ela é bielorrussa. Mas podia dizer russa que ela ficava ainda mais satisfeita. As pessoas gostam de pertencer a países grandes? Talvez seja isso. Talvez seja mais prestigiante ser russo que bielorrusso. Eu gosto de ser português e não é por a Espanha ser maior e mais importante na cena internacional que me apetece prestar vassalagem ao meu amigo Juan Carlos.
Mas as minhas surpresas não ficaram por aqui. A Irina perguntou à minha inquilina se ela não estava a pensar mudar de nacionalidade. Portuguesa; sei lá... Isto quer dizer que a Irina já pensou em ser portuguesa. Talvez porque está apaixonada por um português. Talvez porque, para ela, tudo é melhor que ser bielorrusso.
A minha inquilina ficou surpresa e disse-lhe que não. Que gosta muito de ser polaca e que não troca a sua nacionalidade por nada. A Irina desistiu mas deve ter pensado que ser polaco é xunga e que a minha inquilina não está a ver bem o filme.
A Olga é russa, mas por via do casamento também tem passaporte francês. Sei que ela gosta de França e que outro dia disse que se sente mais francesa que outra coisa. Perguntei-lhe por isso por quem torceria ela numa eventual final do Euro 2004 que envolvesse a Rússia e a França. Como a Olga anda de candeias às avessas com o marido francês e até considera a possibilidade de regressar ao Caucaso, respondeu, depois de uns segundos de reflexão, Rússia. No entanto, a Olga não se levantou quando o hino russo tocou nem ficou muito aborrecida por causa da derrota com a Espanha.
É estranha a forma como alguns vivem a sua nacionalidade, como a assumem e por que valores a trocariam. Talvez eu seja conservador, talvez seja demasiado nacionalista, mas não consigo imaginar, na ordem actual das coisas, uma razão que me levasse a deixar de ser português. E é esse mesmo espírito que faz de mim pouco europeu. Que não me deixa levar até ao fim o raciocínio da união que a Europa prepara, porque não me quero diluir nesse "melting pot" de países em que ser português hoje pode equivaler a ser letão, irlandês ou romeno amanhã.

15 de maio de 2004

O chupao - The End

Dizer à Svetlana vamos ali para um hotel não parecia terafa simples. A sorridente Sveta dava a entender que era séria, angelical e que o facto de trabalhar num cabaré, ser apalpada por mãos diferentes todas as horas e a preço de champanhe era puro acidente do destino. Uma falha cósmica que o Fernando, por exemplo, poderia reparar.
O Fernando estava convencido de que ela queria um homem para casar, para ficar no Ocidente com ele e, quem sabe, ter filhos e uma casa em Itzig. A Svetlana não sabia sequer onde era Itzig mas o Fernando sabe que lá há um hotelzinho familiar mesmo ali na curva quem vem da estrada que vai dar ao cemitério alemão. "E se fôssemos ver o cemitério alemão", perguntou o Fernando com um sorriso motivado. Ela não percebeu e por isso disse que sim. O Fernando meteu o carro ao caminho e as mnaos à obra na coxa esquerda da Svetlana que por acaso trazia uns jeans duros demais para se aproveitar alguma coisa.
Quando eu te tirar estes jeans não sobra nada, pensava o Fernando enquanto a Svetlana murmurava a música do Robbie Williams que o Fernando tinha posto de propósito para ela.
Chegados em frente ao cemitério o Fernando julgou por bem dizer algo e disse que de noite metia um bocado demedo, não é? Ela entrou em pânico quando percebeu onde estavam e disse qualquer coisa como tirem-me daqui que o Fernando não percebeu, mas percebeu que ela não estava nada contente por ali estar.
Vamos tomar um copo aqui perto para acalmar, disse com ar desanimado e desculposo. Chegado à entrada do hotel o Fernando explicou que já que não havia bares abertos aquelas horas da noite o melhor era tomarem qualquer coisa do minibar que havia nos quarto do hotel. Ela só percebeu que ia para um hotel quando o Fernando girou a chave e disse: entra, hoje é o primeiro dia do resto da tua vida. A Svetlana desde então nunca mais gostou de Sérgio Godinho.