20 de novembro de 2003

Viagem à Tailândia - Part 4

Estou sem notícias do Silvino. Da última vez que me telefonou queria ir ao novo "health club" muito chique, aquele que abriu há pouco tempo no bairro mais chique da cidade. A conversa que tivemos deixou pelo menos a certeza de que o Silvino não me telefona para me levar para a cama com ele. Sugerir que a Sónia levasse uma amiga foi uma espécie de desabafo de último segundo, que era na realidade o objectivo do telefonema. O homem devia estar cá por causa dos seus negócios e não tinha nada para fazer naquela sexta-feira ao fim da tarde.
Escusado será dizer que não lhe liguei. Mas prometi que lhe dizia alguma coisa antes das seis da tarde. Esqueci-me, contudo, de desligar o telemóvel. por volta das sete o Silvino telefonou-me e eu, irritado no meio do trânsito e entre duas chamadas para as quais não tinha pachorra cortei a chamada. Ele não voltou a tentar nem deixou recado.
Um sentimento de culpa invadiu-me. Devia pelo menos ter-lhe dito que não ia. Imaginei o Silvino no duche, a pentear-se e a perfumar-se pensando que ia encontrar-se com uma boazona qualquer que eu e a Sónia lhe íamos apresentar. Imaginei-o a escolher a camisa e as calças com corte do início dos anos 80 e colocar perfume com os dedos debaixo das abas do casaco. E imaginei a expressão de decepção quando a chamada foi cortada. Desiludido e sem actividade para aquela sexta à noite. Ele que até tinha comprado um roupão de algodão caríssimo, igual a um que tinha visto num senhor barrigudo que depois da piscina cruzou no parque de estacionamento a entrar para um Carrera verde com estofos de couro beige.

17 de novembro de 2003

Viagem à Tailândia - Part 3

O Silvino telefonou-me. Disse-me que há muito tempo que não nos falávamos e que gostava de falar comigo. Perguntou-me que é que eu ia fazer amanhã. Não menti, disse que não sabia, mas não lhe revelei que não ia certamente encontrar-me com ele. Informou-me que pensava ir a um novo "health club" excelente, topo de gama, uma coisa maravilhosa, onde ele pensava um dia destes fazer fotografias de belas manequins, na piscina, na sauna, "que aquilo é mesmo muito bonito".
Imaginei o Silvino de toalhinha à cintura, com a careca proeminente, com o sorriso Pepsodent e a barriga a escorrer. Não consegui imaginá-lo despido nos banhos turcos. Mas consegui ver a debandada de paneleiros que habitualmente enchem o "hammam" à procura de sensações fortes que são apenas um olhar indiscreto sobre um baixo-ventre.
Será que o Silvino gosta de homens? Naquele clube costumam parar muitos homossexuais, quem sabe...
Isso não me demovia de o encontrar, mas não gosto de situações dúbias, de momentos em que duas pessoas se perguntam, num momento de silêncio mais prolongado: "que raios estou aqui a fazer?". Inevitável se eu me encontrar com o Silvino.
"A Sónia não quer vir também?", acrescentou. E interrompeu o meu "vou falar com ela", acrescentando: "e pode trazer uma amiga, se quiser...".

13 de novembro de 2003

Viagem à Tailândia - Part 2

O Silvino esqueceu-se de mim. Passou mais de um mês sem que ele me contactasse. Eu facilmente me esqueci dele. Falei com a Sónia sobre o que poderia ele fazer na vida. Especulámos mas nenhuma das nossas apostas nos satisfez. Como era possível que alguém pusesse fortunas nas mãos daquele tipo para atravessar fronteiras?!
O Silvino tem ar de amanuense, diria o meu amigo Carlos, mas para mim a comparação ideal faz-se com o Bolhãozinho. Bem sei que a maioria dos meus leitores não sabem quem é o Bolhãozinho, mas eu explico. O Bolhãozinho chama-se Filipe, se não me engano. O senhor Filipe tinha uma velha mercearia mesmo no centro de Felgueiras, junto ao tristemente famoso edifício da Câmara Municipal. Eu só soube que o Bolhãozinho se chamava Filipe porque andei com o filho dele no liceu e ele um dia disse que se chamava Filipe como o pai, numa tentativa atabalhoada de nos convencer a chamá-lo pelo nome e não Bolhãozinho. Mas quem se parece com o Silvino não é o Bolhãozinho junior mas o pai, aquele que sempre conheci atrás de um balcão de madeira, anormalmente baixo, numa mercearia que parecia nunca ter visto a luz nem do sol nem de artifícios tais que lâmpadas. Pior, o Bolhãozinho (porque toda a gente chamava indiferentemente Bolhãozinho à loja ou ao proprietário) ficava virado a noroeste, o que deixava de parte toda e qualquer possibilidade de o sol entrar na loja, tal como nunca entrou no café Belém nem na ourivesaria do Barros, que foi a primeira a ter vidros antibala. Por acaso, um dia, um camião sobrecarregado de troncos de pinheiros passava mesmo em frente à ourivesaria do Barros, que também se chamava ourivesaria Barros, e devido à inclinação do piso deixou cair metade da carga contra as montras repletas de ouro e relógios de marca. Não sobrou um só vidro antibala. O que levou metade dos mangas do meu liceu a escrever nas novas montras, debaixo da placa dourada que anunciava "vidro à prova de bala": "...e à prova de pinheiros?".