23 de outubro de 2003

Viagem à Tailândia - Part 1

O Silvino telefonou-me a perguntar se eu queria ir à Tailândia. Fiquei tão baralhado com o convite como ele. Numa conversa entrecortada de gaguejos e explicações, disse-me que estava a pensar ir à Tailândia para o mês que vem; que tinha lá um amigo que tinha um hotel; que arranjava alojamento gratuito; que eu e a Sónia só precisávamos de pagar o bilhete de avião e que ele até podia contribuir com "uma modesta participação".
Disse-lhe que nunca tinha ido à Tailândia. Achei bem começar por aí, sem nunca lhe revelar que não gosto de viagens intercontinentais e que actualmente não tenho vontade nenhuma de sair de casa a não ser de carro. Disse-lhe que não sabia se no mês que vem conseguiria libertar-me das minhas obrigações profissionais. Disse-lhe ainda que tinha de falar com a Sónia. Caso arrumado. Agora bastava evitar a próxima chamada do Silvino para não lhe dar hipótese de dizer "então já pensaste na nossa viagem à Tailândia?".
Perguntei à Sónia o que é que ela achava. Afinal mal conhecemos o Silvino. Encontramo-lo por acaso e nenhum dos projectos semiprofissionais que me foi propondo conheceu o menor esboço. Na realidade nunca percebi em que ramo ele trabalhava. "Vinhos", explicou-me no dia em que nos conhecemos, "tenho um sítio internet destinado aos produtores de vinho verde". Nunca justificou muito bem, mas eu também não pedi pormenores, porque é que o sítio incluía uma galeria erótica com fotos de mulheres bastante bonitas mas em topless. "Um dia fizemos umas fotografias da Miss Vinho Verde e depois tivemos a ideia de colocar mais fotos de belas raparigas da região demarcada", disse-me nesse primeiro almoço.
Agora recordo que me explicou também que algumas dessas fotos tinham sido tiradas na Tailândia, onde um amigo tem um "resort" de luxo.
O almoço com o Silvino foi estranho. Chegou atrasado, com ar perturbado por qualquer coisa, como se tivesse acabado de ter um acidente de automóvel. Disse que gostava muito daquela pizzaria, mas que tinha tido algumas dificuldades para encontrar o caminho. Enquanto secava o suor que lhe invadia a testa, penteava para o cucuruto a madeixa única que disfarçava mal a calvície generalizada. Comemos rapidamente enquanto ele interrogava a Sónia: de onde vem, para onde vai, que estudou, que procura na vida, porque não faz fotografias de moda, não me diga que tão nova resolver deixar as passereles...
Com as pizzas suficientemente revolvidas nos pratos decidimos que era chegado o momento de sair do restaurante. Trocámos cartões de visita e prometemos que nos contactaríamos em breve. O Silvino insisitiu ainda que devíamos tratar-nos por tu e explicou porque é que conduzia um mísero Peugeot 206 a gasóleo: "é que assim é mais discreto". Por meias palavras deu a entender que tinha imenso dinheiro mas que as suas actividades económicas menos legais estariam em risco se se deslocasse num carro de rico. "Assim, a polícia quando me manda parar nem imagina que eu, às vezes, trago comigo milhares e milhares de euros nesta mala".

3 de outubro de 2003

Angel - The End

A angel foi o meu primeiro amor cibernético. Se calhar é por isso que gosto tanto dela. Foi a primeira pessoa que me disse “Sorry. I am not into cyber sex”. Fiquei admiradíssimo. Não foi por causa de gostar daqueles conversas eminentemente sexuais; foi porque eu pensava que todos os frequentadores daqueles lugares só queriam uma coisa. A angel foi a primeira que disse que não e, contudo, fiquei a falar com ela. Ainda hoje não sei porquê.
Se estou arrependido? Não sei. Acho que não. Nunca me tinha apetecido escrever um livro antes de a conhecer. Mentira. Apetece-me escrever um livro sempre que estou na merda. Mentira. Apetece-me escrever um livro sempre que estou apaixonado. Também me apetece escrever um livro sempre que leio um livro de que gosto muito, mas como leio pouco, foram mais as vezes em que a paixão me motivou.
A angel não me pôs a escrever livros, no entanto, fartei-me de lhe enviar mensagens electrónicas. O mal foi quando lhe falei do meu “estado civil” e ela voou. Aí entrei em parafuso. Passei algumas horas à procura de um computador no sul de França, onde estava de férias, a mandar-lhe mensagens românticas em que chorava a minha desgraça. Como estava a decorrer o festival de cinema de Cannes, achei que era boa ideia mandar-lhe alguns e-mails em nome de artistas de cinema. Como era de esperar, ela não resistiu a tanto charme. Quem pode ficar indiferente a uma mensagem assinada por Jeremy Irons em que ele diz que me viu na rua e ficou assustado com o meu ar triste e abatido. E continuava, como se eu e a vedeta fossemos amigos de longa data, a explicar que eu estava assim triste porque tinha conhecido uma rapariga fantástica que não me passava bola porque eu lhe tinha mentido. E depois o Jeremy assinava todo o tipo de cunhas: “fala com ele, angel”, “dá-lhe uma hipótese”, “o Paulo sempre foi um tipo fantástico”.
As cunhas do Jeremy Irons funcionaram, já para não falar nas dos irmãos Taviani. Na altura achei que dava uma certa pinta escolher os Taviani. A angel parecia-me suficientemente ilustrada para saber que eles existiam e, por outro lado, dois realizadores europeus ficariam sempre bem a interceder por mim. E fizeram-no em diálogo. Escusado será dizer que o texto roçava a genialidade. E numa língua estrangeira! Se provas fossem precisas, bastava contar que ela me respondeu imediatamente na vez seguinte em que a encontrei na rede. Fiquei contentíssimo por ela falar comigo outra vez e resolvi atirar-me de cabeça. Caí mal. Ela nunca mais me ligou nenhuma.
Voltei a vê-la num chat semanas depois e ainda lhe disse olá. Ela respondeu-me: “estou ocupada”.