13 de junho de 2004

Terra pátria

Ontem sofri, ainda que menos que o costume, com a derrota de Portugal frente à Grécia. De manhã tinha colocado na varanda uma bandeira de Portugal que orgulhosamente flutua ao ar fresco destes dias. A chuva enrolou-a várias vezes no seu mastro durante o dia como que a agoirar um mau resultado.
Assim foi. Perdemos e eu só não fiquei deprimido porque estava mais preocupado com grelhar as carnes do churrasco e com encher os copos de cerveja dos amigos que tinha em casa.
Depois do jogo de Portugal assistimos ao Rússia-Espanha. E eis senão quando a Irina se levanta ao escutar o hino russo. A Irina é Bielorrussa. Mudaste de nacionalidade, perguntei com uma ponta de maldade para tentar encavacá-la. Gosto tanto deste hino, disse ela. A resposta não me satisfez e fiquei com pena da Irina. Como é que alguém pode ter dúvidas quanto à sua pertença nacional? Como pode alguém levantar-se para homenagear o hino do vizinho?
A Irina não tem nacionalidade, tem um passaporte que diz que ela é bielorrussa. Mas podia dizer russa que ela ficava ainda mais satisfeita. As pessoas gostam de pertencer a países grandes? Talvez seja isso. Talvez seja mais prestigiante ser russo que bielorrusso. Eu gosto de ser português e não é por a Espanha ser maior e mais importante na cena internacional que me apetece prestar vassalagem ao meu amigo Juan Carlos.
Mas as minhas surpresas não ficaram por aqui. A Irina perguntou à minha inquilina se ela não estava a pensar mudar de nacionalidade. Portuguesa; sei lá... Isto quer dizer que a Irina já pensou em ser portuguesa. Talvez porque está apaixonada por um português. Talvez porque, para ela, tudo é melhor que ser bielorrusso.
A minha inquilina ficou surpresa e disse-lhe que não. Que gosta muito de ser polaca e que não troca a sua nacionalidade por nada. A Irina desistiu mas deve ter pensado que ser polaco é xunga e que a minha inquilina não está a ver bem o filme.
A Olga é russa, mas por via do casamento também tem passaporte francês. Sei que ela gosta de França e que outro dia disse que se sente mais francesa que outra coisa. Perguntei-lhe por isso por quem torceria ela numa eventual final do Euro 2004 que envolvesse a Rússia e a França. Como a Olga anda de candeias às avessas com o marido francês e até considera a possibilidade de regressar ao Caucaso, respondeu, depois de uns segundos de reflexão, Rússia. No entanto, a Olga não se levantou quando o hino russo tocou nem ficou muito aborrecida por causa da derrota com a Espanha.
É estranha a forma como alguns vivem a sua nacionalidade, como a assumem e por que valores a trocariam. Talvez eu seja conservador, talvez seja demasiado nacionalista, mas não consigo imaginar, na ordem actual das coisas, uma razão que me levasse a deixar de ser português. E é esse mesmo espírito que faz de mim pouco europeu. Que não me deixa levar até ao fim o raciocínio da união que a Europa prepara, porque não me quero diluir nesse "melting pot" de países em que ser português hoje pode equivaler a ser letão, irlandês ou romeno amanhã.